terça-feira, 17 de maio de 2011

Para ficar bem no trabalho.

Já foi dito e repetido: o trabalho dignifica o homem! Mas é bem verdade também que ao desempenhar com afinco suas tarefas, dependendo da atividade profissional, o trabalhador está sujeito ao surgimento de algumas doenças, sejam elas crônicas ou não. Segundo dados do Ministério do Trabalho, houve um aumento de 480% nas ocorrências de patologias relacionadas ao exercício da profissão. Na década de 80, foram registrados 6 mil casos das chamadas doenças ocupacionais. Nos anos 90, esse número passou para mais de 40 mil.
As doenças campeãs de queixas continuam sendo as Lesões por Esforço Repetitivo (LER), também chamadas de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort), correspondendo a praticamente 80% dos registros. Mas há algumas categorias profissionais já começam a subir nesse ranking, tendo estresse, ansiedade e sedentarismo como principais causadores de enfermidades.

Profissões ligadas a atendimento de urgência, como socorristas, bombeiros e policiais estão entre as mais estressantes. Nesses profissionais, o sedentarismo durante a espera por ocorrências e a ansiedade e o estresse ao atendê-las têm feito várias vítimas — hipertensão, obesidade, diabetes e problemas cardíacos são as consequências mais frequentes nesse segmento.

Mas, de acordo com pesquisa realizada pelo site internacional Career Cast (www.careercast.com), ligado a empregos e profissões, além de técnico de emergência médica, também cita entre as atividades mais estressantes: piloto de aviões comerciais, relações públicas, executivo sênior, fotojornalista, repórter, executivo de contas, arquiteto, corretor de valores e de imóveis.

Ao identificar o sedentarismo e o estresse como principais fontes das doenças que acometiam seus companheiros de trabalho no Atendimento Móvel de Urgência (Samu), o ex-condutor socorrista e atual Educador Físico João Maria Gomes Bezerra dedicou sua monografia de final de curso ao estudo dos casos de doenças em seu ambiente de trabalho, suas causas, consequências e forma de combate. Os resultados estão no trabalho “Aptidão Física de Socorristas do Samu-Natal/RN”.

Sedentarismo prejudica atividade profissional

Durante os quatro anos em que trabalhou como condutor socorrista do Samu-Natal, o, hoje, Educador Físico, João Maria Gomes Bezerra percebeu frequentes reclamações dos funcionários, além de um grande número de atestados médicos. Notou também serem a maioria das queixas relacionadas à obesidade, ao sedentarismo e ao estresse inerentes à função. Foi então que decidiu fazer de sua monografia de conclusão de curso um estudo sobre o problema, identificando as origens e apontando soluções.

A pesquisa identificou que a falta de uma atividade física regular e alimentação adequada prejudica o desempenho físico dos profissionais da área. Afinal, quando não estão em ambulâncias velozes, desviando dos carros no trânsito da cidade, no estresse e na ansiedade do que vão encontrar, estão sentados à espera de chamadas de emergência, sem nenhum programa voltado para exercícios corporais.

“No dia em que fui pedir autorização ao coordenador do Samu para realizar esse trabalho, entrou um funcionário com atestado de oito dias sem trabalhar devido a uma lombalgia. Isso é sedentarismo. O sujeito não faz um exercício físico, não faz uma musculação... O serviço exige isso, pois o socorrista tem que pegar muito peso. Chega uma ocorrência com um cara com 120kg, aí tem que levantá-lo mesmo”, comenta João Maria.

Ele conta ainda que, durante o tempo em que trabalhou no Samu, viu funcionário de 23 anos de idade já com hipertensão e até mesmo dois casos de morte: o de uma técnica de enfermagem vítima de aneurisma cerebral, que morreu um dia após o ataque sofrido durante o atendimento de uma ocorrência; e o caso de um motorista, sedentário e no início da obesidade, vítima de ataque cardíaco, falecido dias depois de ser afastado de suas funções para tratar-se.

Quanto à obesidade, o argumento são os longos plantões com escala de 12h, que fazem com que os funcionários comam em horários irregulares e sem controle nutricional. “Tem o almoço, a refeição lá é muito boa, não tem o que reclamar, mas depois disso tem um lanche lá que o pessoal come direto, que é basicamente refrigerante e salgadinho, não tem alternativa”

O estudo “Aptidão Física de Socorristas do Samu-Natal/RN” ouviu 65 socorristas, homens, com idade média de 34 anos, e jornada de trabalho de 12h diárias por 48h de folga. Eles foram, submetidos a testes cardiorrespiratórios, análise do Índice de Massa Corporal, relação cintura-quadril, e outros como sentar-alcançar, e preensão manual.

Os resultados foram preocupantes: 75% dos socorristas estão na faixa de pré-obesidade e obesidade grau um; 45% apresentaram alto risco de desenvolver doenças cardiovasculares e hipertensão arterial; 48% apresentaram flexibilidade classificada como ruim.

“É aquela coisa: casa de ferreiro, espeto de pau. Você trabalha com saúde, passa 12h do dia cuidando dos outros, mas não cuida de sua própria saúde”, analisa João Maria, que recomenda ao Samu criar alguma forma de dar apoio e estrutura para que seus profissionais pratiquem atividades físicas regulares.

Voluntário do Samu já perdeu 11kg
Dos 65 socorristas voluntários para o estudo de João Maria, apenas um concordou avançar para a segunda fase do trabalho, a prática de um programa específico de atividade física. De janeiro, quando iniciaram-se os trabalhos, até hoje, Shayne Brennand de Carvalho, 39 anos, já perdeu 11kg e diz estar muito satisfeito com os resultados. A previsão de João Maria é de que ao terminar o treinamento ele passe dos 115 kg iniciais para os 80 kg almejados. Isso se ele continuar na progressão da perda de 3kg a 5 kg mensais.

“Já noto a diferença no dia-a-dia, nas próprias ocorrências. Tem locais que a gente já pensa na dificuldade, como pegar aquela rampa do Hospital da Polícia e subir com uma incubadora, que é bem pesada... Quando terminava estava morrendo, mas hoje eu já subo normal; cansar, cansa, mas agora aguento bem”, relata Shayne.

João Maria, no papel de instrutor, orienta Shayne num circuito de caminhada, natação, corrida, bicicleta, tudo na praia do Forte, iniciando às 5h50 e encerrando próximo às 7h, quando ele começa o expediente na Secretaria Municipal de Saúde, seu outro emprego além do Samu.

O socorrista tem esperança de que seu esforço sirva como modelo para os companheiros de profissão, criando interesse neles de fazer o mesmo. “O que me deixa até mais animado, além do bem-estar, é a questão de servir como exemplo, para ver se alguém se anima. O pessoal já nota. Quando chego no trabalho o pessoal diz: ‘Rapaz, você tá magro’.”

Coordenador lamenta a falta de adesão da equipe
Apesar de já ter sido firmado convênio com academias de ginástica e de terem sido disponibilizados espaços para a prática de futebol e voleibol, a adesão dos funcionários do Samu à atividade física foi apenas temporária, segundo Rodrigo Azevedo, coordenador administrativo, que lamenta e atribui à carga excessiva de trabalho o motivo pela falta de interesse dos profissionais pela prática de atividades físicas. Cerca de 35% de toda a equipe apresentam atestados médicos mensalmente.

De acordo com Rodrigo Azevedo, a hipertensão é o problema mais frequente entre os profissionais do Samu, e a culpa é atribuída ao excesso de atribuições. Os técnicos de enfermagens e enfermeiros dão dez plantões e os socorristas, doze. “Os médicos, nem se fala; acho que não vão nem em casa.”

Para o coordenador, o ideal seria realizar uma campanha educativa, algo nunca feito até hoje, segundo Rodrigo. “Isso seria um ponto-chave, mostrando inclusive que teve funcionário aqui, no atendimento, há uns três anos, que já morreu. É trazer isso para a nossa realidade aqui no Samu, mostrando o que já aconteceu, dando um choque para poder eles reagirem.”

Corpo de Bombeiros aposenta sirene
A imagem que a maioria das pessoas tem do Corpo de Bombeiros é a de sirene tocando, homens fardados correndo em direção ao caminhão, mangueiras sendo preparadas para apagar mais um incêndio, tudo num clima de tensão e ansiedade. Mas isso é coisa do passado, pelo menos aqui no Rio Grande do Norte, onde foi criada a Linguagem Preparatória Operacional; novo sistema que comunica as ocorrências de forma mais branda, digamos, com o objetivo de estressar menos os militares.

Segundo o tenente Christiano Couceiro, assessor de Comunicação do Corpo de Bombeiros no Estado, o novo sistema criado aqui — inédito no Brasil — substitui a estridente sirene por uma locução pausada, que primeiro informa qual equipe deve se preparar, qual tipo e onde é a ocorrência e pede para aguardar confirmação.
Enquanto isso, a equipe convocada se prepara e, só após a voz confirmar a ocorrência, o alarme soa. “Antes ficavam todos em alerta, ansiosos. Tinha casos até de bombeiros que caíam do beliche e se machucavam; outros ficavam muito nervosos, mesmo em casa, quando ouviam alguma sirene de madrugada; imaginavam o que deveria estar acontecendo...”, comenta o tenente Couceiro.

De acordo com o militar, a sirene provocava muitos problemas relacionados a estresse e ansiedade na corporação. “Diferente dos policiais militares, que trabalham nas ruas, os bombeiros ficam no quartel, mas a qualquer momento podem ser chamados para uma ocorrência que pode durar o dia inteiro.”
Com relação à atividade física, os bombeiros mantêm uma disciplina mais rigorosa, com exercícios específicos e diários para as atividades de urgência. “Quando é bem feito, o treinamento contribui para a diminuição do estresse. E quando se faz constantemente, os homens se sentem mais relaxados”, comenta o tenente, acrescentando haver também uma psicóloga à disposição da corporação para ouvir os problemas dos militares e tentar resolvê-los.

“Lidar com vidas é um estresse muito grande”

O estresse diário pode acarretar algum problema de saúde para o socorrista?
Tem o estresse da triagem dos pacientes e da ocorrência em si; sirene da ambulância ligada, alta velocidade, se está chovendo na cidade ou não, aquele risco iminente de acidente de trânsito. E chegando lá na ocorrência, muitas vezes você vai às 2h no local onde a pessoa sofreu um tiro, num matagal; a polícia não chegou, você chegou primeiro; você então fica com o estresse da sua própria segurança, com o estresse do que você vai encontrar, das limitações que você acha, às vezes é um cachorro solto que precisa ser preso para a equipe chegar até o local. Tem estresse maior do que você chegar numa casa se incendiando, não ser bombeiro, não ter como apagar o fogo, a pessoa estar pedindo socorro, e você ter que esperar o Corpo de Bombeiros chegar? Isso causa muito estresse na gente. Outro tipo de estresse depende da própria natureza da ocorrência, quando você tem que tomar decisões em segundos e tem que acertar para poder salvar a vida. Se você errar...

E esse tipo de estresse causa algum tipo de desequilíbrio no organismo, pode gerar algum tipo de doença crônica?

Geralmente, podemos desenvolver, logicamente se já tiver tendência genética, hipertensão, pois um dos fatores que provoca essa doença é o estresse. Você tem uma vida corrida devido ao volume de trabalho, acaba não se exercitando, não tem uma hora de lazer, porque no dia seguinte você precisa estar inteiro para um nova atividade, aí você não vai a uma academia, não tem um exercício regular.

E quais outras profissões o senhor destacaria que enfrentam problemas de saúde devido à sua atividade?
Cada profissão tem seu estresse inerente a cada atividade. Por exemplo, o professor, na sala de aula, ele hoje tem um estresse muito grande, da própria violência do aluno. Você não pode ser mais rigoroso na avaliação dele porque ele lhe ameaça: “Se eu tirar nota baixa, você vai se ver comigo!” E o próprio salário do professor. Então, é uma profissão parecida com a nossa. Lidar com o público em geral, lidar com vidas é um estresse muito grande.

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