domingo, 27 de março de 2011



Fim de expediente. O promotor de vendas Diego Ferreira, 24, sai do trabalho e pega a namorada Bárbara França de Moraes, 17, em casa para levá-la ao cursinho pré-vestibular. São cerca de uma hora e meia até o início da aula, tempo de tomar um lanche no shopping e conversar à sós. A descrição faz parte da rotina de qualquer jovem casal, a não ser por um detalhe: o smartphone nas mãos de Bárbara e adeus papo reservado. Cada vez mais comum, celulares com acesso à internet tem alterado os relacionamentos e transformado ambientes abertos em cabines telefônicas ou chats. A pretensiosa onipresença nos dois mundos - real e virtual - que a tecnologia promete, nem sempre termina em interação. O resultado? Dependência de usuários que ficam conectados a redes sociais e checam e-mails a todo tempo. E pior, acabam se isolando de pessoas ao redor que reclamam atenção.

Diego sabe bem o que é isso: “Ela me deixa de lado. Chego a falar melhor com ela pelo MSN”. A namorada ri, faz cara de ‘mea culpa’ e logo volta os olhos para o visor do aparelho atraída pelo bip de nova mensagem. Bárbara checa os e-mails, orkut, twitter e facebook a todo instante. Para unir os amigos virtuais e o namorado na mesa em que só os dois estão sentados, na praça de alimentação, a estudante revela a receita, enquanto os dedinhos nervosos deslizam as páginas na tela touch screen: “digito, dou um beijinho, volto e comento o que se passa na net”. Bárbara reconhece a mudança provocada pelo aparelho. “Acho que atrapalha um pouco. Quando não tinha internet, havia mais diálogo”. Diego Ferreira observa Barbara França vidrada na tela do celular
O professor de inglês e proprietário de bar Wilson de Almeida Couto Junior, mais conhecido como Gringo, conta que a situação é corriqueira nas mesas do bar. “Sempre tem um na mesa que não desgruda do celular”. A situação, explica o professor, tem dois lados: o bom é a possibilidade de mostrar em tempo real como está o entretenimento e com isso fazer outros irem ou desistirem de se juntar ao grupo. O reprovável, é a falta de atenção com quem está ao redor e a mudança de foco na situação vivenciada, seja uma palestra, aula, shows ou reuniões de amigos. O professor sente na pele o que é ficar “de fora do mundo” de alguém. Isso porque a namorada Taís Martins, teve a fase de fissura em twitter e facebook. “Não percebia que ficava até dez minutos sem falar, enquanto checava o smartphone. Tive que chamar atenção”, lembra.

Adepta assumida do smartphone, a médica pediatra Lanna Azevedo, 30 anos, considera imprescindível à rotina fechada de consultórios e plantões, o uso do celular e seus aplicativos “É mais prático, vejo os e-mails e faço ligações. Não me isolo do mundo. Se a bateria acaba, fico ansiosa. Já virou uma dependência”, admite. Entretanto, ela diz se policiar quando está com amigos e familiares e durante o trabalho. Nessas ocasiões, o aparelho fica no modo silencioso e na bolsa.

A médica critica a transformação do aparelho em “companheiro de balada”. Em show recente, em Recife, Lana lembra que as amigas gastaram maior parte do tempo “tuitando” ao invés de curtir o evento. “Olhei em volta e uma multidão deixava de se divertir para postar a foto, o vídeo ou comentar o show”, estranhou.

Tecnologia pode afastar pessoas

A consultora de etiqueta Laísa Palhano é taxativa: não se pode culpar a tecnologia pela falta de educação e humanização das pessoas. Os avanços tão necessários para facilitar as relações de trabalho e sociais, quando usados de forma exacerbada podem ter o efeito inverso, ou seja, ao invés de aproximar, afastar ainda mais as pessoas.

A regra de que é “feio” atender o celular quando se conversa com alguém, continua valendo no mundo permanentemente conectado e também vale para os casos de checar os inúmeros aplicativos disponíveis nos smartphones. A falta de atenção nesse caso revela mais que maus modos, é sinônimo de falta de respeito. “A tecnologia é uma grande necessidade nos dias atuais para se fechar negócios, aproximar pessoas e matar a saudade. Mas pode se tornar um caos quando mal utilizado”, observa. O uso do celular em reuniões e almoços de negócios não é bem visto, por isso o melhor é deixar desligado. A consultora recomenda nos casos de estar esperando uma ligação de urgência, avisar aos participantes e deixar o aparelho no modo vibra-call. Ao receber a chamada, peça licença, se afaste e seja breve, para não passar a imagem de “bate papo”.

Numa reunião entre amigos, a etiqueta social sugere a mesma regra. A conversa, o olhar nos olhos e outros hábitos antigos são necessários para se manter a humanização das relações, uma vez que nada é mais desagradável do que ser colocado em segundo plano, lembra Laísa Palhano. “Valorize e respeite sempre a presença das pessoas que estão com você, curta o momento, oportunidades de encontrar ou reencontrar pessoas são sempre uma grande festa”.

Relações podem ser prejudicadas

A necessidade de estar informado e informando sobre tudo a todos, faz do 3G parceiro para todas as horas e chega a substituir o convívio pessoal. “Ou quase”, como admite o estudante de direito David Petit, 30, que por pouco não perdeu amizades sólidas pelo uso descontrolado da novidade. Várias vezes, o estudante foi repreendido pelos amigos de estar de ‘corpo presente’ nos encontros, mas não compartilhar a vivência.

A postura mudou depois que uma amiga deixou de falar com ele por meses e outros se recusavam a sair em sua companhia, restringindo o contato ao cyber espaço. “Não tinha noção que era quase um vício e deixava todos irritados”. A gente tem mesmo que chamar atenção, acrescenta o amigo Rômulo Mendes.

Para não incorrer no erro e consequências ilustrado acima e após alguns puxões de orelha, o médico Diego Sampaio, 28 anos, conta que regras foram estabelecidas entre o grupo de amigos para limitar ao uso do aparelho. Durante os encontros da turma, os aparelhos não ostentam lugar de destaque à mesa e as conversas virtuais são censuradas. “Terminava cada um se isolando do ambiente por estar entretido no celular. Daí se perde o vínculo, o contato pessoal”, afirma. “Eu era o mais viciado”, avalia. Exceções são permitidas aos casos de emergência ou quando se quer convidar outros a se juntar ao grupo.

bate papo: Ana Paula Silva Souza » Psicóloga

Celular não pode significar fuga de relações pessoais

Como o uso da internet a partir do celular interfere nas relações sociais?

Esse novo padrão de comportamento não será erradicado. É preciso que estejamos abertos a este novo rearranjo nos relacionamentos. No caso dos celulares, smartphones o que ocorre é um prolongamento da conexão à “vida virtual”. De certa forma, o sujeito conseguirá reforçar suas “relações virtuais”, sem restrição de espaço. Por outro lado, impede que interaja com aqueles que estão ao redor. Na verdade, muitas vezes ele está completamente fora da experiência, mesmo estando lá. Outras vezes, ele pode tentar trazer os demais para dentro do mundo virtual, tentando mostrar-lhes o que está acontecendo, numa tentativa de interação ‘real’.

Em que essa tecnologia ajuda no relacionamento das pessoas e quais os casos considerados prejudiciais?

As relações via internet possibilitam uma vasta troca de informações, o conhecimento de culturas diferentes, possibilidades de se contatar pessoas distantes. Mas se o indivíduo permanece todo o tempo na frente de um computador ou celular, deixará de experienciar o contato “real”, e isso irá afetá-lo negativamente. Devemos ter cuidado com as informações que trocamos. Se você vai a um bar e conhece uma pessoa, é preciso ter o mesmo cuidado ao transmitir informações, que você teria ao “teclar” com alguém desconhecido. E vice-versa.

Como se explica essa necessidade de exposição propagada com a expansão das redes sociais?

Na contemporaneidade existe essa necessidade de mostrar-se de qualquer maneira. E o melhor lugar para isto são as páginas de internet como blogs e redes sociais. E não importa se as pessoas terão uma resposta direta ao que se expõe, ele basicamente joga tudo lá, para ser visto, desde imagens à ideias. Isso pode ser bom se usado com moderação, mas há os riscos de cyberbullying. Apesar de se tornarem mais desinibidas no mundo virtual, às vezes não existe um amadurecimento emocional para lidar com essas coisas. O amadurecimento surgirá com as experiências, o contato é necessário ao ser humano. Somos seres sociais.

Essa necessidade de estar a todo tempo conectado pode ser considerado vício? Tem tratamento?

Tudo feito em excesso e que prejudica outras áreas de nossa vida pode ser considerado vício, o uso exagerado da internet também. Manter-se informado é saudável. Mas deixa de ser quando se torna fuga de relações familiares e com amigos e toma o espaço de outras atividades. Sendo a compulsão à internet um distúrbio de característica comportamental (e não estando ele relacionado à nenhuma outro distúrbio patológico), poderia haver um tratamento junto ao psicoterapeuta.

O que esperar das novas gerações, crianças que desde cedo estão habituadas ao celular e a internet?

As crianças vem perdendo o hábito de brincar, de entregar-se a esse momento de construção. É preciso lembrar que necessitam dessa vivência da brincadeira, da interação com outras crianças. Quando os pais colocam um celular com internet nas mãos de uma criança e incentivam seu uso em detrimento à outras vivências, algo está se perdendo.

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